// Salário Dos Poetas (2005)Estreia | 23 de Novembro na Quinta do Bando Texto | Ricardo Guilherme Dicke Dramaturgia João Brites | Encenação João Brites / Amauri Tangará (no Brasil) | Assistência de Encenação Amauri Tangará / João Brites (no Brasil) | Direcção Musical João Pimentel | Oralidade Ana Brandão | Corporalidade Gonçalo Amorim | Assistência Direcção Maria Abecassis | Técnico em Cena Luís Fernandes | Concepção do Espaço Cénico João Brites | Desenho e Maqueta Joana Gomes | Figurinos Clara Bento | Adereços Clara Bento, Vitória Basaia | Direcção de Montagem Fátima Santos | Desenho e Operação de Som Sérgio Milhano | Montagem e Operação de Iluminação Luís Fernandes Com | Cláudia Chéu, Gonçalo Amorim, Horácio Manuel, Inês Rosado e Romeu Benedito |
O relato bufo de um ex-ditador, que se encontra exilado num qualquer país da América Latina, foi o tema escolhido para este processo de criação conjunta: o da loucura e da sedução que o poder é capaz de exercer sobre a Humanidade. (sinopse do espectáculo) Velhas: Esquecidos dos esquecidos, / nas noites abrasadas / levai-nos nas palavras / levai-nos nos não ditos / esquecidos da vida Aurora General: Cavalo branco e uma bala de prata que rasga a calma dos capinzais, Aurora Cigana: Um cavalo. Devia ser de noite. O cavalo perambulava livre aspírando o frescor da noite, quando um carro o atropelou. Ficou estirado com as pernas quebradas, de comprido, à beira da rua, os carros passando. A noite passou, passou a madrugada fria com seu sereno, chegou o dia. Mãos caridosas o puxaram mais para dentro das matas, longe da poeira da estrada, onde passavam perigosamente os carros. Os que passavam, paravam, olhavam e se iam embora, sem nada por fazer. Veio a tarde. Crianças pobres chegavam. Achegavam-lhe à boca punhados de capim na esperança de que comendo se lhe pudesse amenizar a dor, mas ele nada comia. Borboletas, flores e crianças à volta do cavalo ferido. E sempre os carros passando perigosamente. E de novo a noite. Ao outro dia, uma criança, linda como as flores, com pena, sem saber o que fazer de tanta dor passou caridosamente a mãozinha pela comprida cabeça do cavalo, de narinas ofegantes, cheias de grandes veias, mastigando um imaginário freio nos dentes. O cavalo nada comera dos montes de capim cheiroso que as crianças haviam colhido e colocado cuidadosamente junto a sua cabeça, só bagos negros, redondos de estrume haviam saído dele. Na tarde do terceiro dia chegou um carro apressadamente, uns homens afastaram brutalmente as crianças e aquele que disse ser o chefe ou o dono, encostou o cano negro de um revólver na testa do cavalo e disparou. Cavalo morto. Depois levaram consigo no carro o corpo do cavalo morto e as crianças se dispersaram. Mas a menina pensava: aquele cavalo era bem feio, um pobre cavalo velho e estropiado (...) Era feio e velho. Mas era bonito aquele cavalo na verdade porque eu pus a mão na sua testa escaldante. E Deus deve ter gostado dele, deve tê-lo acolhido em seu seio, no belo céu dos cavalos mortos. O ditador que andava por perto aproximou-se de mim e perguntou: Aurora General: Por que choras? Aurora Menina: Quem era aquela menina? Aurora General: Por que choras? Aurora Menina: Quem era? Aurora General: Não sei. |