// Ensaio Sobre A Cegueira (2004)

Estreia | 6 de Maio no Teatro Nacional São João, Porto
Produção | Teatro Nacional São João, Teatro O Bando com colaboração da Culturgest
Texto | José Saramago
Composição Musical Jorge Salgueiro | Espaço Cénico Rui Francisco | Oralidade Teresa Lima | Corporalidade Luca Aprea | Assistência de Encenação Miguel Moreira | Figurinos Maria Matteucci | Adereços Clara Bento | Desenho de Luz Cristina Piedade | Sonoplastia Sérgio Milhano | Direcção de Montagem Fátima Santos | Técnico de Iluminação Luís Fernandes | Mestra Costureira Teresa Louro | Costureiras Natália Ferreira, Palmira Abranches, Julieta Carvalho | Com Adelaide João, Ana Brandão, Antónia Terrinha, Gonçalo Amorim, Horácio Manuel, João Ricardo, Luís Godinho, Maria João Pereira, Martinho da Silva, Miguel Moreira, Mónica Garnel, Nicolas Brites, Paula Só, Pedro Gil, Raúl Atalaia, Rita Calçada, Romeu Costa, Sabri Lucas, Silvia Filipe e Dulce silva, Rafael Freire | Soprano Sara Belo | Criança Solo Inês Homem de Melo Marques | Mezzo Soprano Silvia Filipe | Piano João Vasco

Em ano de aniversário – O Bando celebra 30 anos, efeméride pouco habitual no panorama teatral português e europeu –, a companhia liderada por João Brites acrescenta mais uma etapa a um percurso marcado pelo questionamento dos valores universais. A aposta permanece na preocupação de ultrapassar o evidente para investir num teatro "que olha para dentro”. Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, autor português de referência, não podia espelhar melhor essa imagem de marca. Tomando como ponto de partida a alegoria "fechar os olhos para ver melhor” – que de forma quase literal deu o nome ao projecto Deixar de Ver para Ver Melhor, primeira investida na obra de Saramago –, O Bando retoma a reflexão sobre a cegueira, não daqueles que estão privados do sentido da visão, mas dos que vendo, não enxergam. A mensagem parece clara: "Quando todos fecharmos os olhos e os voltarmos a abrir, será possível ver, construir e criar um mundo diferente, mais justo, mais livre.” 

(sinopse do espectáculo)


"(...) autocarro, as pessoas, apesar dos mortos e feridos causados pelo desastre, não deram grande atenção, Afinal de contas não teria sido pior se se lhe tivessem partido os travões. Aliás, foi essa, dois dias depois, a autêntica cau-sa de outro acidente, mas, a voz que correu foi ter cegado o condutor. Não houve maneira de convencer o público do que efectivamente acon-tecera, e o resultado não tardou a ver-se, de um momento para outro as pessoas deixaram de servir-se dos autocarros, diziam que antes ¬queriam cegar elas que morrerem por terem cegado outros. Por causa da cegueira simultâ-nea dos dois pilotos, não tardou que um avião comercial se despedaçasse, morrendo todos os passageiros e tripulantes. Daí em diante não se ouviu mais um ruído de motor, nenhuma ro-da, grande ou pequena, rápida ou lenta, voltou a pôr-se em movimento. Os automóveis, os camiões, as motos, até as bicicletas, se espalhavam caoticamente por toda a cidade, abandona-dos onde quer que o medo tivesse tido mais força que o sentido de propriedade, Má para toda a gente, a situação, para os cegos, era catastró-fica, Dava lástima vê-los esbarrar nos carros abandonados, um após outro, esfolando as canelas, alguns caíam e choravam, Está aí alguém que me ajude a levantar, mas também os havia, brutos de desespero que praguejavam e repeliam a mão benemérita que acudira a auxiliá-los, Deixe lá que a sua vez também lhe há-de che-gar, Assim estão as coisas lá fora, e ainda eu não sei tudo, só falo do que pude ver com os meus próprios olhos, (41) Com os meus olhos, não, porque só tinha um, agora nem esse, isto é, tenho um mas não me serve, (...)"